Fenômenos não relatados do coronavírus

(Não) Diário: dia onze

Fenômenos não relatados do coronavírus - por Adriana Bernardes

Tem algo estranho rolando por aqui. De repente, os móveis do quarto começaram a mudar de lugar. As camas estão atravessadas no cômodo, coladas uma na outra, atrapalhando a passagem pra se chegar à janela e reduzindo, consideravalemente, o espaço que já é pequeno. E não é a primeira vez que zanzam por ali. 

A cômoda, antes perfeitamente acomodada ao lado da sapateira, agora faz companhia às camas. Estão os três móveis lado a lado. Como se eles também sentissem os efeitos do isolamento social para evitar a disseminação do novo coronavírus: a necessidade de estar junto, de sentir o abraço, o cheiro e o calor do corpo de quem se gosta (num paralelo maluco com as necessidades humanas). 

Tudo aconteceu de repente. Minha menina grande, sim, já tem 7 anos e 10 meses, passou a reclamar da posição da cama dela. O meu bebê, que já não é um bebê no auge dos 5 anos e quatro meses, a acompanhou na queixa. A lenga-lenga durou dias a fio. Até que, há pouco mais de uma semana, cedemos ao apelo. Afinal, que mal faria uma mudança? 


Eles mesmos decidiram o novo lugar para as camas. Não adiantou explicar que não elas cabiam daquele jeito, entre a sapateira e a estante de livros.

– Não tem 'poblema', mamãe!, disse o mais novo.  
– É, papai, está perfeito! É assim que a gente quer. Valeu!, completou a mais velha.

A ideia era deixar naquele fim de semana e, depois, voltá-las para o lugar de sempre. E quem disse que conseguimos? Dias atrás eles (os móveis) percorreram o quarto novamente, dessa vez, sem nossa ajuda. 

Ouvimos o barulho e, quando chegamos na porta, estava feito. A passagem ficou ainda pior. Mas eles, ainda mais felizes pelo sucesso da missão, sozinhos, sem ajuda de ninguém. Os pais babões se entreolharam, sorriram e voltaram para o computador. O dever chama. Chama muito mais do que no ambiente de trabalho. O cenário mundial sem precedentes nos exige uma dedicação muito maior. 

Enfim, acreditávamos que o rompante por mudanças ficaria da porta do quarto para dentro. Ledo engano! Tenho pra mim que o jogo de sofá está a sussurar para os pequenos o desejo de também dançar pela sala. A mais velha não tira da cabeça a ideia de trocá-los de lugar. Ali vai ser mais difícil. A margem de manobra em apartamento pequeno é mínima. Vamos ver até quando resistiremos. 

E assim, lá se vão quase 40 dias sem aula, sem natação e balé. Nesse período, saíram uma vez, logo no começo, para um passeio na área verde, perto de casa. Depois, nem isso. Nem para o pilotis descemos com eles. São nossos pequenos guerreiros. Foram capazes de compreender a gravidade da situação e não têm pedido para sair de casa. 

Os planos de passeio são precedidos da seguinte lógica:
– Mamãe, quando o coronavírus for embora do Brasil, a gente pode ir visitar as vovós e o vovó? Ou: 
– Mamãe, quando o coronavírus passar, a gente pode ir nadar? 

E assim por diante. A vontade deles de voltar à rotina é evidente, mas resiliente. O desejo de mudança salta aos olhos, aperta o peito ao mesmo tempo em que enche o coração de ternura. 

São dias difíceis, de aprendizado, de paciência, de sabedoria, de serenidade, de medo, de incerteza sobre o futuro, mas, ao mesmo tempo, nenhuma dúvida sobre o que é essencial: o amor e o respeito. 

Esbanje amor por aí! Mas sem arredar o pé de casa. Vai passar! #FiqueEmCasa.  





Comentários

  1. lindinhos!! <3 esses meninos índigo-cristal já vêm com sensor de feng-shui na alma! 😘

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  2. Lindo demais o amor em família q está mais aconchegado em tempo de pandemia. Até os móveis parecem sentir e se aconchegar... tudo que antes nos passava despercebido, agora ganha mais valor... o sabor dos alimentos, o trabalho "em equipe" da máquina de lavar, do fogão, do filtro, da vassoura, do álcool. Nossa! Temos tantos tesouros em casa. Os maiores são mesmo a nossa família!!!

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    1. Sim, com toda certeza! Só o amor nos salva. Amor por nós mesmos, pelos nossos e por quem nem conhecemos!

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  3. De fato ninguém, salvo engano a gripe espanhola foi na década de 20, jamais tinha experimentado o que estamos vivendo. Uma chacoalha da espiritualidade para que possamos parar pra pensar acerca do que fazemos das nossas vidas, do modelo (que escolhemos coletivamente) de sociedade, dos detalhes que subvertem sua semântica e se tornam gigantes. Na efervescência dos acontecimentos talvez não tenhamos uma dimensão precisa dos "novos" seres que nos tornaremos (ou não).

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    1. Concordo, Dri! O temoo é de renascimento da humanidade! Oportunidade de evolução para todos. E que assim seja!

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  4. Que barato. Adorei a crônica desse pedacinho apenas da rotina da família. Muito fácil de ler. Parabéns! Filhos incríveis vocês têm!

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    1. Obrigada, Cládio!!! De fato nossos pequenos são extraordinários! Como estão nos surpreendendo dia após dia. Saudades!

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  5. Essa pandemia já está nos transformando,o hábito de lavarmos as mãos é essencial para evitarmos muitas doenças

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  6. Verdade! Aqui em casa brincamos que nunca lavamos tanto as mãos. E a quantidade de banho???? Sem falar nos cuidados com nós mesmos.

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  7. Apesar do inusitado,do novo,que nem por isso precisa virar pânico, iremos sentir saudades destes momentos em que mesmos pertos estamos longes ou deveríamos, mas ao mesmo tempo estamos juntos!

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  8. Que texto lindo! Amei, vc escreve mto bem. Luana (kantine gastronomia/ udi)

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    1. Oi, Luana, obrigada! Que bom te ter por aqui! Fique bem e continue adoçando a vida das pessoas, com comida e afeto! Me deu água na boca só de lembrar do bolo que fizestes pro aniversário da minha mãe!

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