Um velho novo fim de semana

Diário: dia três

Um novo velho fim de semana - por Adriana Bernardes

Brasília, 22 de março de 2020. Agora são 13h45. Mais uma vez estou de frente para uma imensa janela de vidro. Não, não estou de plantão na redação do jornal. É meu fim de semana de folga. Estou no meu apartamento, com minha família. É domingo. O céu mudou várias vezes desde a hora em que acordei. O dia amanheceu frio, cinza. Agora, está lindamente azul, com algumas nuvens brancas aqui e acolá. A brisa fresca invade o apartamento, quase me fazendo sentir frio.

Da mesa da sala de jantar, conjugada com a sala de TV (não se engane, estamos falando do melhor dois quartos do planeta Terra, quiçá do espaço Sideral), suspiro pela minha flor de maio. É a primeira vez na vida que uma flor de maio floresce nas minhas mãos! E está sendo incrível acompanhar a abertura dos botões. Ela é branca. Perto da folha, tem um leve esverdeado. Por dentro, uma pitada de rosa. Vê-la florescer tem alegrado os meus dias.

Também tenho dois cactos florescendo. Um deles é repleto de espinhos com uma delicada flor branco gelo, puxado para um amarelo bem desbotado. O outro, tem menos espinhos e a flor é de um vinho intenso, semelhante ao que estou tomando agora. Um chileno, carbernet sauvigon de R$ 22 a garrafa. Justo. Justíssimo!

O cheiro de frango revogado invade o apartamento. Hoje teremos strogonofe. Do quarto, o som da bola batendo na porta dos armamários, a gargalhada do meu pequeno, a minha menina grande tentando manter as regras do jogo, e a voz do pai conciliando a brincadeira...Sons e cheiros que aquecem meu coração. Ecoa ainda uma variação de músicas: de Stand by me (Playing for Change) a  Eu e você sempre (Jorge Aragão).

Ontem, em vez do clube pela manhã, desenhamos, montamos quebra-cabeça, jogamos futebol e dançamos. O dia de amanhã? (Uma confissão: meu ponto de interrogação está de quarentena. Tive que buscá-lo no google, colar no bloco de notas e colar aqui. Sim, quarentões, às vezes, percorrem o caminho mais difícil! Mas no fim o resultado é o mesmo). Não sei!

 Talvez eu esteja de home office. E não será fácil, acredite! Amo meu lar. Adoro ficar com minha família. Tenho a maior vocação para madame — apesar de os meus amigos e conhecidos duvidarem devido a seriedade com que encaro meu trabalho. Mas será um alívio se isso acontecer! E um desafio.

Enquanto escrevo, recebo fotos dos meus pais fazendo churrasco. Só os dois. Vivemos a 430 km de distância. Ele, 72, ela uma década mais nova. Na semana que passou, tivemos uma briga virtual, eu e meu pai. Ele insistia em sair para trabalhar. Não queria mais saber de coronavírus. Não admitia o isolamento. Insuportável para ele ficar em casa "sem fazer nada".

Não o vejo parado. Mas apelei para a chantagem emocional. "Se você continuar saíndo, coloca em risco a saúde da minha mãe e a sua" (ela diabética e ele, hipertenso). No dia seguinte a minha irmã, que vive há apenas alguns quarteirões, mas não tem ido vistiá-los para proteger a todos, ligou. Chorou ao telefone. Apelou para que ele ficasse em casa. E ele, então, prometeu que ia sossegar o facho. Respiramos todos aliviados (eu, minha irmã e meu irmão), cientes do sacrifício que isso representa pra ele.

E o domingo, como está sendo? Não estou de plantão, como já disse. Mas estou atenta aos grupos de trabalho. Tenho recebido mensagens e denúncias de pessoas que não conheço. Uma hora, incluo na pauta de matérias. Outras vezes, informo números para denúncias de irregularidades. Porque nem tudo é furo. Nem tudo é só pela matéria. Nunca foi e nunca será! A vida acima de tudo. O bem-estar do outro acima de qualquer coisa.

 Se puder, #FiqueEmCasa.


 

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