Isolamento social

Diário: dia quatro

Isolamento social - por Adriana Benardes

Brasília, 29 de março de 2020. São 16h32 quando começo a escrever. Chove lá fora. O cheiro de terra molhada entra pelo meu nariz e aquece meu peito. O céu cinza claro, as árovres chacoalhando ao vento, a brisa fresca.... o cenário quase me convida a botar um casaco. Um raio corta o céu precedido de um trovão. Foi assim quase a semana toda. Melancólico? Não  para mim.  

Já são seis dias de confinamento, consequência da pandemia mundial do coronvírus. Para não dizer que não botei o nariz na rua, desci até a área verde do prédio nesse sábado. Fiz duas mudas de cactos para uma amiga, encerrei a empreitada com os dedos cheios de espinhos e replantei uma suculenta pink num vaso roxo. Para finalizar, dei a um outro cacto um vaso maior. Quando o comprei, era pequenino. Depois de um ano, cresceu, debruçou-se sobre o minúsculo vaso de plástico marron (absolutamente sem graça).

 Enquanto isso, mais e mais brasilienses adoecem infectados pelo Covid-19. A paciente número 1 segue lutando bravamente pela vida, em coma induzido, respirando por aparelhos. O marido dela, nunca mais a visitou (pelo menos que se saiba). Não por falta de vontade. Mas porque foi impedido de vê-la, após um decreto do governo proibir visitas a enfermos diagnosticados com a doença. Não, não é falta de humanidade ou autoritorarismo do Executivo local. É para preservar vidas. A do marido dela, dos demais parentes deles e de desconhecidos também. Não consigo imaginar o quanto custa a essas famílias ficarem longe num momento tão difícil.

O peito fica ainda mais apertado quando penso nas centenas de pessoas que perderam e ainda perderão seus entes queridos para a Covid-19. No Distrito Federal, além de não poderem visitá-los nos hospitais, também não poderão escolher o ritual para despedir-se deles quando partirem para outra dimensão. O caixão será fechado. O tempo da homenagem póstuma, reduzido. Assim como o número de pessoas na cerimônia: 10 apenas.

Por tudo isso, se eu dissesse que estou sofrendo por ter que ficar em casa, estaria mentindo. Não  lamento o isolamento social que me foi imposto. Ao contrário, sou grata por ter um lar, uma família que eu amo, por ninguém próximo a mim estar infectado pelo coronavírus, e por eu reunir as condições para fazer o que é preciso neste momento: ficar em casa.

Está sendo fácil? De jeito nenhum! Tenho trabalhado dobrado. Pelo menos duas vezes essa semana encerrei o home office com náuseas, tamanha exaustão. Fui para a cama às 21h. Escolhi uma meditação longa e adormeci. 

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