É assim na guerra


Diário: dia dois 

É assim na guerra - por Adriana Bernardes

Brasília, 20 de março de 2020. Agora são 14h43. A máquina de roçar grama quebra o silêncio que impera na redação, um ambiente tradicionalmente repleto de balbúrdia. Os poucos colegas que restaram — os demais estão em home office — distanciaram-se um dos outros. Em revoada, abandonaram suas mesas para ficarem "sozinhos". Não que falte afeto. É pelo cuidado mesmo. 

É curioso como neste momento, em que o mundo enfrenta uma pandemia da Covid-19, um simples espirro, um pigarrear ou uma tosse ecoam como se houvesse um alto-falante na boca de cada um. "Epa! Ihuullll! Vixe Maria! Sai corona!", são algumas das expressões mais comuns nessas ocasiões. Todos rimos — um riso nervoso, é verdade — e seguimos frenéticos, tentando acompanhar as consequências do avanço de casos de coronavírus. (Lá fora, a máquina de roçar, continua a quebrar o silêncio).

Desafiando a guerra para evitar a disseminação da Covid-19, a vida não para. Hoje, um colega de trabalho faz aniversário. As mensagens de felicitações no grupo de trabalho incluem gifs de cotovelos se tocando. Em outro grupo, o de mães da escola, uma criança fez aniversário no começo desta semana. A mãe relatou a tristeza da menina em não poder comemorar com os amigos. E pediu, se possível, que os coleguinhas mandassem mensagens para alegrar a pequena. (Finalmente, o roçador de grama foi desligado!)

O que se seguiu foi lindo de viver! Mais de uma dezena de áudios, com diferentes vozes infantis, meninos e meninas, desejando feliz aniversário para a pequena. Diziam que logo, logo estariam juntos de novo. Outros, só um envergonhado "feliz aniversário". E no fim do dia, um agradecimento emocionado da mãe da aniversariante. Foi de lavar a alma! Minha pequena, que só aniversaria em junho, quer saber se até lá "a coronavírus" ainda estará no Brasil. (Parece que ainda há muita grama para ser cortada ali). 

Uma amiga, também jornalista, quis saber como eu estava. 
— Imagino como está a redação. Cobertura do fim do mundo, disse. 
— Exatamente! A gente tira força de onde não tem. Entra na pilha e, simplesmente vai, respondi. E o diálogo se encerrou com a frase dela: 
— É assim na guerra. 

(A grama finalmente foi cortada. E agora, a brisa que entra pela janela tem aquele cheirinho fresco de mato picado) #FiqueEmCasa. 

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