Roupas que eu visto

 


Fragmentos de  

mulher em (des) construção.

Nesta existência,

visto primeiramente a pele

a mim confiada pela espiritualidade.


Mas me visto também de transparências,

decotes, minissaias, fendas, 

estampas miúdas, graúdas, 

tons vibrantes.  

Me visto de ninfa.

Sol de setembro a pino e eu, como estou? 

Trabalhada no brilho! 

Tempos depois,  

eu e eu mesma diante do espelho: 

“Como tem coragem, nessa idade!”

“Isso lá é roupa de mulher casada?”

“Você viu, que ridículo?”

“Depois não sabe porque as coisas acontecem!”

São as vozes dos outros?

Seriam as minhas próprias vozes, impregnadas de preconceitos e machismos?

 


Me visto de Flowerbomb

(benditos sejam Viktor Horsting e Rolf Snoeren!!)

e PUFF!!!

Estou na 40 Bd Haussmann,

correndo da (para) Galeries Lafayette; 

das correntes de ar entre os prédios

de encontro ao d'Orsay, 

por horas e horas horas diante de Monet.

Assim, de olhos fechados,

quase sinto os cheiros e os sabores de Paris…


Me visto de Frida (a kahlo), de Ana Clara (a fofoleti), de Marielle (a Franco), de Anielle (a Franco), de Marina (a Silva), de Adélia (a Prado), de Liana (a Ferraz), de Clarice (a Lispector), de Marisa (a Monte), de Sônia (a Guajajara) de Elza (a Soares), de Letícia (a Sabatella), de Fernanda (a Montenegro), de Meire (aquela mesma), de Zilda (aquela mesma) de Eliana (aquela mesma ), de Conceição (a Freitas), de Marion (a Eleanor Zimmer Bradley), de Valérie (a Perin), de Dilma (a Rousseff), de Djamila (a Ribeiro), de Virgínia (a Woolf), de Cintia (aquela mesma), de Carolina (a Maria de Jesus), de Erica (aquela mesma), de Babi (aquela de quem sentimos saudades), de Priscila (a Neme), de Carina (aquela mesma), de Mariana (aquela mesma), de Sibele (aquela mesma), de Anas (aquelas mesmas), de Mariana (sim, esta mesma), de Nocam (a Fernanda)...


Me visto de chita, 

e de pretinho básico corte reto sob medida.

Salto agulha (baixinho porque no 12, só reencarnando mulher umas 10 vezes).

Me despeço dos decotes,

tchau transparências,

pernocas de fora? Nem pensar! 

Mas sigo me cobrindo de brilho.


Tempos depois,  

eu e eu mesma diante do espelho, 

“Uai, porque não aquilo e, sim, isto? Quanta bobagem!!!”

São as vozes dos outros?

Seriam as minhas próprias vozes, impregnadas de mim mesma e da minha potência feminina?

E voltam os curtos, as transparências, 

os destroyed jeans

Os biquínis (quase) sempre com pouco pano

e muito brilho, esses estão aqui e lá também. 





Me visto do cheiro que há em mim

Almoço sentada no meio fio, 

espetinho da carrocinha na quebrada

Café à mesa forrada com xadrez

(me visto também de forro de mesa xadrez azul e branco) 


HOJE ME VESTI DO DESENHO DE UMA MENINA DE 8 ANOS:

MÃE MORTA NO CAIXÃO. SORRISO NO ROSTO DA MÃE MORTA DESENHADA DENTRO DO CAIXÃO. CORAÇÃO PEQUENINO PERTO DO ROSTO DO DESENHO DA MÃE MORTA DENTRO DO CAIXÃO. “FELIZ 2023” ESCRITO PERTO DO CORAÇÃO, PERTO DO ROSTO DO DESENHO DA MÃE MORTA DENTRO DO CAIXÃO. 


Me visto do tijolo no peito que é botar os olhos no desenho dessa menina de 8 anos que teve o amor de mãe roubado dela pelas mãos do homem que se recusou a ser contrariado no seu desejo de posse da mãe da menina de 8 anos. A menina de 8 anos tem duas irmãs: uma de 6 e outra, ainda de peito, apenas 2 meses de vida. 


Como me dói essa roupa! 


Créditos das imagens: Pinterest Brasil.

Comentários

  1. Adriana, que texto profundo e maravilhoso! Impossível não chegar às últimas linhas com dificuldade para enxergar por causa dos olhos cheios de lágrimas. Parabéns pela sensibilidade humana e poética!

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    1. Oi, Terezinha! Quanta honra te ter por aqui, reboando comigo. Obrigada, pelas palavras de carinho. Me motivam a seguir!

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  2. Que texto lindo Adriana, profundo... amei! Beijos Lucilene

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