Carta para 2020


O calendário marca 14 de Janeiro 2021. Mas ainda me pego pensando no que você foi pra mim, meu caro 2020. Teve choro, risada, afeto, saudade, desespero, esperança, descobertas, e experimentações. E você, o que levará de 2020?


Por Adriana Bernardes

Antes mesmo da pandemia, tive uma crise de ansiedade e, com ajuda profissional, descobri que ela me corroía por dentro há algum tempo. Então, compreendi a origem de certos medos infundados e eles se foram quase completamente. Aprendi na prática o que eu já sabia em teoria: é preciso saber ler os sinais que o corpo e a mente nos dão diariamente. 

2020 foi um ano de convivência intensa com marido e filhos, sem apoio de ninguém pra nada. Preparamos as nossas refeições; faxinamos; brincamos; choramos; enchemos as nossas janelas de flores; alimentamos beija-flores; deitamos no parque para ver as estrelas pintarem o céu; montamos barraca no quarto e uma piscina de plástico na sala de jantar; dançamos; malhamos; comemoramos nossos aniversários a quatro; testamos receitas; fizemos planos... E como tudo isso foi bom!


A saudade da família doeu na alma e no corpo naquele 2020. Jamais ficamos tanto tempo distantes. Quanta falta me fez beijar o rosto da minha mãe; sentir o abraço apertado e sacolejante do meu pai; rir com a fuga da minha irmã diante dos meus abraços e beijos; as ganas do meu irmão; o carinho dos sobrinhos, as conversas com as cunhadas e a sogra. E por isso tudo, agradeci. Agradeci pelo desejo de estar junto deles quando tantas famílias sofrem mergulhadas em intrigas que lhes tiram o prazer de estarem perto uns dos outros.  

Em 2020 me arrisquei em novas experiências. Escrever sobre o cotidiano neste espaço foi uma delas. No jornalismo, sempre que pude fugir dos temas leves, o fiz sem qualquer pesar. Minha preferência desde sempre foi por textos objetivos respondendo às seis perguntas lead: O quê? (aconteceu), Quem? (ou com quem), Quando? Onde? Como? Por quê?

Na busca por novas formas de expressão, me arrisquei também com poemas. Confrontada diariamente pelo horror do mundo, resisti à poesia o quanto pude. Atordoada por questões urgentes (como violência doméstica; as milhares de mortes por covid-19; o crescimento da miséria entre os brasileiros; o preconceito que mata; o desemprego de pais e mães de família; a inércia criminosa dos chefes de Estado) me perguntava sobre a serventia dos versos. Por fim, aprendi que minha alma grita de várias formas. Uma delas é por meio da poesia. 

Mas não parava ali as minhas experimentações. Num dia de angústia e tédio comecei a desenhar e a colorir. Havia anos que não rabiscava nada. Os traços ainda são como os do primário. Numa das saídas excepcionais, comprei várias telas pequenas, um kit aquarela, desses que as escolas pedem na lista de material das crianças, e comecei a pintar. Que delícia que é isso! Ainda não consegui fazer aquarela. Carrego no pincel e nas tintas. Ver as cores se misturando, a ideia original dar errado e virar outra coisa é uma experiência incrível!

Botando tudo assim, na tela de um computador, percebo melhor quantas oportunidades 2020 deixou à minha porta. Foi um ano em que olhei pra mim mesma como talvez nunca antes eu tenha olhado. Ano em que voltei a me conectar com o Sagrado; em que pude agradecer e agradecer e agradecer; em que decidi ser luz; sentir menos raiva; tentar entender as reações e atitudes do meu semelhante, especialmente quando pensamos e agimos como água e óleo. 

Em 2020, entendi que a humanidade passa por um período de profunda transformação e que somos, cada um de nós, parte desse processo. Cada um fazendo o que está ao seu alcance: compartilhando bens materiais; distribuindo palavras de conforto; orientando os nossos filhos a seguirem um caminho de respeito a si mesmos e ao próximo; cuidando de nós mesmos (do corpo e da mente) e amando muito e intensamente o nosso próximo. 

Dito isso, me despeço de ti, 2020, com um só sentimento: receba minha mais profunda gratidão! 

 


Bem-vindo, 2021! Estou pronta pra ti!

 

Crédito das imagens: Pinterest

(Não) Diário de uma quarentena

Comentários

  1. Fui imaginando as cenas! Saudades!👏🏻👏🏻💖

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    1. Oi querida! Saudades também! Que possamos promover uma aglomeração boa lá pro fim deste ano, se tudo der certo!

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  2. Nossssa Adriana. Inveja que estou de 2020 por ter merecido esse desabafo poético, sincero e criativo!!!!

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    1. Foi um ano incrível em vários sentidos! Um grande abraço, Ana!

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  3. Lindo texto, suave, real. Ainda temos cronistas sensíveis, você manda bem!

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  4. Parabéns, Dri, pelo texto franco e sensível. De fato o ano de 2020 ofereceu a oportunidade de muitos aprendizados...

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