Seguir

(Não) Diário

Por Adriana Bernardes


Os amigos chegam por mensagens
Com alguns, os encontros são diários (tão perto e tão longe).
No debulhar de letras, angústia, tristeza, desesperança, humor, ira, reencontro, amor, conquistas.
Não raro, o silêncio do choro chega alto pelas fibras óticas por onde trafegam os afetos há algum tempo (e por quanto tempo mais?).



Que memórias ficarão de agora?
Qual pintura estará impressa nas lembranças das crianças?
E quando os meus cabelos estiverem brancos, minha pele ainda mais riscada pelo tempo, como vou lembrar de hoje?

A Vida nunca deu salvo conduto a ninguém.
Não dá pra criar limo quando se pega a própria essência e se joga no planeta azul para Viver uma nova jornada. 
Você se aconchega, a Vida te sacode. Algumas vezes para o alto. Outras, a lambada te deixa no chão. Nas estrelas ou comendo poeira, só há uma alternativa: seguir.

Com joelhos ralados, coração sangrando, no escuro ou sob sol escaldante: seguir.

Sob a luz de velas, uma, duas, três quantas preces forem necessárias para se ter a paz necessária e... seguir.
Fechar os olhos, encher o peito, soltar devagar todo o ar, de novo e de novo e de novo até que o corpo pare de tremer... e seguir.

Sentar à janela com uma taça, brincar de girar o vinho dentro dela, sentir a boca banhada tintin por tintin e....seguir.

Achar a lua no recorte do céu que te cabe nesta pandemia, contemplar... e seguir.

Fazer amor no chuveiro, na sala, na cozinha, no chão (na cama também, por quê não?)... e seguir

Acordar sem vontade de nada, ligar o piloto automático e, simplesmente, seguir até o que o dia finde.

Fechar os olhos, sentir o abraço, o cheiro, ouvir a voz de quem amamos, imaginar o reencontro.... e seguir.

Passar a noite em claro, perder a fome, ver o dia em preto e branco...e seguir.

Dormir, sonhar a noite toda com tarefas
intransponíveis, acordar exausta e...seguir.

Dormir, não sonhar com nada, abrir os olhos revigorada e ter a certeza de que a Vida é um presente, que tudo vai dar certo, que se tem o que importa e...seguir.

Vai passar! Vai chegar o dia em que respirar sem máscara e a proximidade do outro na fila do mercado deixarão de ser uma ameaça. Então, sigamos!


Seguir não é uma opção, é caminho. Nele há que se acolher:

as flores e os espinhos;
o frescor do riacho e correnteza do rio;
as tempestades e as chuvas de verão;
o choro e o riso fácil;
o amor e o desamor;
o afeto e a ingratidão;
a ira e a compaixão;
a vida e a morte.
Até lá, exista e resista!  


Comentários

  1. Que memórias ficarão do agora? Boa pergunta, vale pra este período de intempérie sanitária, jamais experimentada pelas últimas gerações, mas também pra toda vida, seja qual for o desafio enfrentado.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Lá na frente a gente senta, toma um café e conversa sobre as memórias de hoje. Beijos, Dri!

      Excluir
  2. Prezada Bernardes, até parece escrito especialmente para mim! Parabéns por mais um profundo texto!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi professor, boa tarde! Estamos (quase) todos enfrentando angústias e alegrias semelhantes. Mas há de passar! Sairemos fortalecidos dessa. Confio muito nisso. Fique bem!

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas