Ai de mim, sem meus ipês!



Por Adriana Bernardes


Junho chegou diferente de todos os outros. Tem pandemia lá fora. Quando não tira a vida, a Covid-19 debilita suas vítimas por um longo tempo. Antes de matar, ela rouba dos doentes o amparo sagrado de quem mais amam. Eles dão o último suspiro acompanhados apenas dos heróis de jaleco branco, gente dedicada, mas completamente estranha.


Os órfãos do coronavírus, por sua vez, vão carregar pela vida a dor da perda + o lamento por não terem podido estar junto nos momentos finais + a lembrança do último adeus com caixão fechado, limitado a meia hora, com meia dúzia de pessoas. São muitos + para carregar na alma.

Não bastasse tudo isso, tem a revolta pelo assassinato de negros, homens, mulheres e crianças, pelas forças de segurança. A democracia ameaçada, incitações públicas ao ódio e a todo tipo de intolerância; ataques à imprensa em geral e, aos jornalistas em particular e as instituições cadê?

Notas públicas e declarações de repúdio não garantirão os direitos individuais e coletivos, e menos ainda, o cumprimento da Constituição Federal e a nossa cambaleante democracia. Criminosos devem ser investigados e punidos.

E o que tudo isso tem a ver com o título deste post? Nada e tudo. Ao abrir o computador esta manhã, minha intenção era falar sobre a beleza dos ipês e da falta que me fará não cruzar com eles no meu caminho. Ipês me fascinam, hipinotizam, me fazem parar o carro mesmo quando estou atrasada para o trabalho.

Mas este ano, certamente perderei a floração do roxo. E provavelmente, a de todos os outros também. Tem um vírus aí fora que me impede de sair.

Da seca de Brasília este ano, guardarei apenas fragmentos. Recortes do céu lindamente azul; recortes da vegetação secando; recortes das lembranças dos ipês de 2019; recortes dos brotos ressurgindo prenunciando as primeiras chuvas. Tudo visto da janela ou da galeria de imagens do celular.

E por mais paradoxo que pareça, levarei deste 2020 a certeza de que entre os 211.595.390 brasileirxs, preciso agradecer e agradecer e agradecer por estes cinco meses e dois dias de 2020. Minha família é extremamente privilegiada. Estamos com saúde, temos um lar, comida, agasalho, emprego (por enquanto) e um amor imenso nos une. Apesar de tudo!

Gratidão! 


(Não) Diário de uma pandemia. Brasília, 2 de junho de 2020. 

Comentários

  1. Que bela reflexão! Apesar de tudo, ainda estamos vivos. Isso é presente de Deus. Ano que vem, os ipês irão florescer novamente. E todo esse horror terá passado. E todos nós, se Deus quiser, estaremos aqui pra vê-los, pra descer do carro, ficar extasiado e fazer um monte de foto. A vida ha de voltar aos eixos.

    ResponderExcluir
  2. Que assim seja, Marcelo! Que possamos florescer nessa caminhada rumo a 2021.

    ResponderExcluir
  3. Visão e sentimentos que saem do fundo da alma....

    ResponderExcluir
  4. Você tem razão (seu nome não parece pra mim). Isso explica os meus recorrenes chás de sumiço. Só apareço por aqui quando a alma grita.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas