Quando e se...

Quando eu escrever um livro, ele falará sobre o amor. Em algum momento, os personagens vão dançar abraçados na chuva. Não necessariamente o par romântico. Podem ser a mãe e a filha, como eu e minha mãe fazemos vez ou outra. 

Se eu escrever um livro, o amor entre um homem e uma mulher será reverenciado sob a luz da lua cheia. Essa parte, eu até já poderia escrever. Tenho tudo na cabeça:  será uma noite de inverno de céu sem nuvens. Eles chegarão com uma toalha de piquenique e uma manta; uma garrafa de tinto e duas taças; queijos cortados em cubos e fatias de jamón. 


Entre o Sol se pôr no horizonte e a Lua emergir do outro lado o diálogo será permeado por amenidades. Eles vão se espantar com o balé de cores do sol poente do cerrado e divagar sobre o espetáculo diário quase nunca contemplado -- não assim, entregues um ao outro, ao olhar um do outro, ao beijo um do outro, ao encanto das mãos dele mexendo distraidamente no cabelo dela enquanto os dois se inebriam. 

Nessa perdição de amor e paixão, o par romântico da história perderá os primeiros momentos da lua cheia. Quando derem por si, ela estará inteira no céu, tingida de um amarelo-alaranjado-avermelhado. Enorme. Brilhante. 

Eles se levantarão num rompante, comentarão entre gargalhadas como puderam quase perder o fenômeno que os levou ali, se abraçarão enrolados na manta num silêncio repentino, como se o som das palavras pudesse fazer a lua sumir como um fantasma. 

Nesse transe, seus corpos começarão a balançar de um lado para o outro. Não, eles não estarão dançando, eles nem sequer perceberão esse vaivém! O sorriso, os olhos ora fechados ora abertos, o suspiro fundo, o abraço ora mais apertado, ora mais solto? Eles não se darão conta de nada disso. Estarão em outra dimensão, apanhados pela força da lua cheia. 

Se eu for escrever um livro um dia, preciso imaginar um desfecho para essa noite. Talvez os amantes façam amor ali mesmo. Não aquele amor com sofreguidão, nada disso! Lado a lado, o primeiro encontro dos seus corpos será um mergulho na alma do outro pelo olhar… “os olhos são as janelas da alma”! 

Ainda preciso espiar um pouco mais o casal do meu romance para decidir o desfecho dessa noite. Não espere, caro leitor, uma data no calendário. Não! Esse tipo de encontro não se dá com dia e hora marcados. Sou apenas uma espectadora dos protagonistas do livro que um dia escreverei. E, como tal, estou atenta aos sinais.

*Crédito da imagem: Pinterest. 

(Não) Diário de uma pandemia

Brasília, 24 de junho de 2022.

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