A morte da Hora Certa



Hora Certa, todo mundo conhece. Dita destinos, toma de assalto os sonhos, corre veloz e é insaciável. Desde pequenina, dança em volta de si mesma. Dita para si e pra todo mundo a hora de comer, de dormir, de amar, de desamar e, veja se tem cabimento, até a hora de gargalhar (não pega bem gargalhar em qualquer lugar, em qualquer tom, decreta a Hora Certa). 

Por Adriana Bernardes

Me pergunto sobre o não dito em 60 segundos ou em 24h? Sobre o não vivido na infância, na juventude, na velhice, em uma vida inteira à espera da Hora Certa. Afinal, quando é a hora certa pra isso, e aquilo e aquilo outro?

                        Tic-tac, tic-tac, tic-tac… 

Hora Certa não tem resposta. Vive perdida no vazio e no silêncio das próprias horas.  Ignora que é no desacerto da sua dança, que tudo acerta (benditos são os relógios derretidos de Dalí)!

Em vez da Hora Certa, a mim me encanta mais a morte dela. Fico com o milésimo de segundo que antecede a gargalhada diante do defunto pálido e santo. Busco o instante em que o grito de “BASTA!” corta o vento diante de olhos esbugalhados e bocas secas. Busco aquele momento entre olhar a terra lá do alto e se jogar de paraquedas (crente que ele vai abrir...mas e se….). Quero o átimo entre o toque da minha pele e um arrepio de corpo inteiro.

Mas a Hora Certa insiste em sua dança circular. Se faz de doida e finge desconhecer que é na hora da sua morte, que a vida se realiza em sua plenitude. Aos abutres (?), aos loucos que desafiam o seu tempo e flagram sua morte - gargalhando, saltando, arrepiando, chorando, caindo, levantando, amando, gritando BASTA quando tudo é corrente, ódio e opressão-, Hora Certa ri um riso de canto de boca; pisca um dos olhos; e segue girando em torno de si mesma. 

Vez ou outra, Hora Certa olha para trás, fita os seus algozes (?) e, pelo espaço de um instante, derrete-se como os relógios de Dalí.  A vida pulsa e a esperança é teimosa. 


Poeminha do contra

Todos esses que aí estão 

Atravancando o meu caminho, 

Eles  passarão...

Eu passarinho! (Mario Quintana)


(Não) Diário de uma pandemia

Imagem: Pinterest.

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